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Política em tempos de lacração

POLÍTICA - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
POLÍTICA - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Fabio Modena

por Fabio Modena

Publicado em 13/04/2024, às 08h04


O sociólogo e filósofo polonês ZygmuntBauman pontuou que estamos vivendo a era da "modernidade líquida", um momento de desencanto civilizacional. Neste contexto, os afetos e as relações sociais estão perdendo força, enquanto o ódio e o medo vêm adquirindo mais e mais adeptos. Exemplos concretos do processo de liquefação da modernidade estão na militarização social, na xenofobia e no descrédito na democracia como modelo organizacional das sociedades. A confiança no outro é cada dia mais reduzida e a individualidade se torna a grande regra de uma cultura narcisística, incapaz de se envolver no engajamento social em busca do bem comum.

Uma das primeiras consequências deste mundo líquido e inconstante é a intolerância com quem pensa diferente. Vivemos num mundo extremamente polarizado, onde o diferente não tem vez e nem espaço. A polarização se iniciou na política como consequência de posturas capitaneadas por líderes populistas, porém, essa polarização transcendeu a esfera política para tornar-se parte do nosso dia a dia, determinando o que consumimos, o que pensamos e como devemos nos comportar. As redes sociais foram o instrumento determinante para que essa preocupante realidade se instalasse.

Em nossa sociedade cada vez mais virtual, a “lacração” é o termo que resume bastante do comportamento de pessoas e políticos nos dias atuais. Um termo que pressupõe a intenção de não se debater a sério um problema, mas sim, de se fazer populismo às custas dele. O político “lacrador” busca inserir frases de efeito em suas redes sociais, com o objetivo de promover o silenciamento do rival e assim inflamar ainda mais suas próprias bolhas de audiência, numa sociedade cada vez mais polarizada.

No Brasil, a “lacração” fica evidente nas guerras culturais, com confrontos focados em temas morais que garantem maior visibilidade e engajamento político. Estamos trocando a legitimidade intelectual pela idiotização discursiva. A política, portanto, raramente é feita em cima de um debate sério pensando no desenvolvimento econômico e social. O propósito passa a ser tão sómente a viralização de conteúdos nas redes. E políticos se tornam “influencers”, termo para designar quem possui muitos seguidores na internet e possui certa influência no comportamento destes. Assim, um político que posta nas suas redes sociais uma imagem dele dançando num baile ganha mais visualizações e popularidade do que se produzisse um post sobre um projeto de educação ou de revitalização urbana.

Tudo isso denota a profunda crise política, democrática e intelectual dos dias atuais. Se por um lado as redes sociais possibilitaram a democratização da participação política e trouxe proximidade aos atores políticos, por outro é preciso repensar a forma como essa proximidade e popularidade deve ser construída para que se possa gerar engajamento educativo e um debate rico em idéias e propostas para atingirmos melhores resultados econômicos, sociais e culturais.

A sociedade moderna precisa urgentemente passar do estado de liquidez para um estado de diálogo, tolerância e atitudes bastante sólidas, em direção a um mundo mais real e verdadeiro.

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