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COLUNA

Ivan Sartori: Diretas Já na OAB Nacional

De acordo com o sistema atual, o presidente nacional da OAB não é eleito diretamente pelos advogados, mas de forma indireta, por 81 conselheiros federais

De acordo com o sistema atual, o presidente nacional da OAB não é eleito diretamente pelos advogados, mas de forma indireta, por 81 conselheiros federais - Imagem: reprodução creative commons
De acordo com o sistema atual, o presidente nacional da OAB não é eleito diretamente pelos advogados, mas de forma indireta, por 81 conselheiros federais - Imagem: reprodução creative commons

Ivan Sartori Publicado em 08/09/2022, às 21h28


A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao longo de sua história, sempre se destacou como defensora fervorosa do Estado Democrático de Direito e da ordem jurídica, o que, aliás, constitui uma de suas finalidades (artigo 44, inciso I, da Lei 8.906/94).

Assim, desempenhou papel fundamental no processo de redemocratização do país, apoiando diversos movimentos, com destaque ao denominado de “Diretas Já”, cuja campanha era a convocação de eleições diretas para a Presidência da República.

Todavia, de acordo com o sistema atual, o presidente nacional da OAB não é eleito diretamente pelos advogados, mas de forma indireta, por 81 conselheiros federais. 

Uma explicação histórica para este modelo seria a distribuição desigual de advogados entre os Estados.

Assim, as eleições indiretas se justificavam como uma forma de equilibrar as 27 seccionais do país, garantindo-se que cada uma, independente do número de advogados inscritos, tivessem o mesmo peso nas eleições.

No entanto, no atual cenário – em que a advocacia vivencia avanços inegáveis, inclusive, no campo digital –, esse sistema não se justifica mais.

Atualmente, as eleições indiretas apenas contribuem para perpetuar candidatos “da situação”, ou seja, que já se encontram no poder, por meio do uso excessivo de articulações de natureza político-partidária.

Dessa forma, o candidato da situação tem a vantagem de adquirir apoio, em muitas situações, mediante a oferta de vagas em comissões e outras benesses, o que torna a disputa totalmente desigual, praticamente impedindo que candidatos da oposição possam ascender ao posto de presidente nacional da OAB.

Uma forma de conferir paridade na disputa eleitoral seria a instituição de eleições diretas, permitindo-se que os 1.371.000[1] advogados inscritos em todo o país tenham direito a voto.

Neste ponto, em que pesem os desafios de organizar uma eleição em nível nacional, a OAB dispõe de estrutura suficiente para tornar esta medida totalmente viável e exequível. Um bom exemplo desta capacitação é a nacionalização do exame de ordem.

Por outro lado, o fato de as seccionais possuírem um número desigual de inscritos não é mais um óbice. Afinal, com o alcance das redes sociais e demais meios eletrônicos, qualquer candidato possui a capacidade de ter projeção nacional, independente da sua região (seccional).

Assim, por meio da ampla veiculação das propostas e ideias pela internet, é conferida aos eleitores a possibilidade de conhecer todos os candidatos e, assim, manifestar seu voto de forma livre e consciente, fundamentado em ideias que são relevantes para toda a classe e não em meras questões regionais, fundadas em interesses estritamente locais.

O projeto de lei nº 4971/2019[2], de autoria da senadora Soraya Thronicke, destina-se a estabelecer eleições diretas para a Diretoria do Conselho Federal da OAB.

De acordo com a justificativa do projeto: “A Ordem sempre se caracterizou pela defesa intransigente da democracia, e é justamente mais democracia que se propõe no presente projeto levar à Ordem, por meio das eleições diretas para o seu Conselho Federal. Trata-se de uma justa reivindicação da categoria dos advogados, que querem eleger diretamente seus representantes para a diretoria do Conselho Federal”.

Essa proposta, se aprovada, garantiria uma eleição mais democrática, conferindo a todos os advogados a prerrogativa de eleger a diretoria do Conselho Federal, e, assim, o próprio presidente nacional da Ordem.

Outro ponto interessante da proposta é que ela pretende possibilitar que os advogados votem diretamente nos candidatos a conselheiros seccional e federal de forma independente da chapa que concorrerá aos cargos de diretoria da Seccional e do Conselho Federal.

Assim, os candidatos mais votados seriam eleitos, o que, segundo o projeto, garantiria uma representação mais adequada na composição do Conselho, com possibilidade de participação de correntes distintas nas decisões dos rumos da entidade.

Como destaca a senadora: “(...) além da maior representatividade, a garantia do espaço para a oposição é extremamente saudável, inclusive para a fiscalização sobre a utilização adequada dos recursos públicos, constituídos pela anuidade compulsória para por todos os advogados”.

A par das eleições diretas, existem setores da advocacia que defendem uma terceira alternativa, consistente em eleições proporcionais dos Estados.

Um dos defensores desta ideia é o Deputado Federal Rubens Pereira Júnior – autor do projeto de Lei nº 9968/2018 –, o qual visa “democratizar os órgãos colegiados da OAB a partir da implementação da proporcionalidade nas eleições para os Conselhos, garantindo representatividade às diversas correntes de pensamento da Advocacia”.

De acordo com a justificativa do seu projeto, “uma estrutura rígida, como a que rege atualmente o processo eleitoral da OAB, impede a expressão da pluralidade de ideias, reduz e empobrece os debates que podem apontar novos caminhos e novas soluções para os sempre renovados problemas que se apresentam continuamente à sociedade. A busca pelo consenso só é eficaz se ocorre pelo debate, pelo convencimento, entre essas correntes. Consenso entre os iguais é mera tautologia, que impede avanços e, pior, cerceia a representatividade de parcelas expressivas da sociedade. Entendemos, portanto, que o caminho mais democrático, pluralista e representativo é que as eleições sejam proporcionais, isto é, com inteira liberdade para que as pessoas se aglutinem em chapas em torno de ideias e programas e, ao final, integrem os órgãos representativos proporcionalmente aos votos que receberem, que sinalizam a expressão social das ideias que defendem no universo dos representados” [3].

Com essa proposta, seria estabelecida uma representação mínima proporcional por Estado, nos mesmos moldes aplicados nas eleições para o cargo de senador da República.

Contudo, salvo melhor juízo, o resultado desta medida seria que Estados com maior número de inscritos passariam a ter uma maior representatividade (um peso maior nas eleições), o que poderia gerar desequilíbrio entre as seccionais, medida invocada como justificativa para manter as eleições nos moldes atuais (indiretas).

Seja como for, independente do modelo a ser adotado – eleições diretas ou proporcionais –, fato é que o atual sistema de eleição para presidente nacional da OAB deve ser revisto, pois impede que mais de um milhão de advogados, distribuídos em todo o território nacional, elejam a pessoa que irá ocupar a presidência do Conselho Federal, órgão supremo da OAB (artigo 44, §1º, da Lei 8.906/94), responsável por uma série de atribuições, dentre as quais, a de velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia, além de administrar um orçamento anual que, segundo avaliação de advogados, supera a casa de bilhão de reais.  

Bibliografia

Disponível em: https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados, acessado em 06/09/2022, às 18h00.

Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138664 , acessado em 06/09/2022, às 19h41m.

Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node05m6evbkevka314dqkp5azdw6g12259114.node0?codteor=1649259&filename=Tramitacao-PL+9968/2018 , acessado em 06/09/2022, às 19h25m.

Ivan Sartori

Ivan Ricardo Garisio Sartori foi juiz e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo de janeiro de 1981 a março de 2019. Judiciou em inúmeras comarcas do Estado até instalar e ser o primeiro juiz da 36ª.

Foi eleito e reeleito para compor o órgão Especial daquela Corte, instância máxima do Judiciário Paulista. Foi o relator do atual Regimento Interno do Tribunal. Tornou-se o mais novo Presidente do Tribunal, biênio 2012/13.

É coordenador e co-autor do livro Estudos de Direito Penal – Aspectos Práticos e Polêmicos, Forense, 2004, e professor da cadeira de Direito Civil na Universidade Santa Cecília – UNISANTA, em Santos/SP. É mestre em Direito da Saúde – Dimensões Individuais e Coletivas, pela mesma universidade.

Com visão e métodos diferentes, disseminou o uso do julgamento virtual e implantou o processo digital, maior proeza na última década. Criou as câmaras extraordinárias, reunindo magistrados com disponibilidade de força de trabalho, que contribuiu para a redução dos acervos em geral. Reestruturou o tribunal e criou as dez Regiões Administrativas Judiciárias (RAJs), cada uma com uma direção central sediada no maior fórum regional.

Iniciou uma aproximação com o CNJ e manteve relação próxima com o Executivo estadual. Na Assembleia Legislativa conseguiu a aprovação do plano de cargos e carreiras dos servidores e do projeto dos assistentes judiciários dos magistrados de primeiro grau.

Implementou política de valorização dos servidores, pagando atrasados, a par de garantir o instituto da remoção e oferecer cursos na Escola Paulista da Magistratura. Também abriu concursos para mais de cinco mil vagas. Enfrentou atritos com o Ministério Público, ao pedir a reintegração das salas usadas por promotores nos fóruns. Também com daOAB, exigiu que advogados fossem submetidos à revista na entrada dos fóruns.

Ambas as instituições eram contrato a implementa do processo digital. Aposentou-se em 2019, aos 62 anos, e hoje é pré-candidato a prefeito de Santos, sua cidade natal.

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